A Morte do Último Intelectual Universal Brasileiro - Parte 2

A Morte do Último Intelectual Universal Brasileiro - Parte 2 

Com quem aprendeu e outras citações

Olavo aprendeu a filosofar sozinho, mas recebeu carta branca para a filosofia, “como um peixe está na água”, de seu mestre Stanislavs Ladusãns, um padre e professor letão enviado para uma universidade católica brasileira “para torná-la católica” como Olavo mesmo gostava sempre de brincar ao citá-lo.

Ele trabalhou ainda em vários jornais durante décadas e os seus artigos, crescendo em profundidade e importância documental de suas impressões, bem como registros de mudanças sociais importantes no centro da cultura brasileira, foram a primeira causa de impacto ao público em geral. A coleção desses artigos foram reunidos em vários volumes, entre eles O Mínimo Que Você Precisa Saber Para Não Ser Um Idiota e A Longa Marcha da Vaca Para o Brejo, bem como Cartas de Um Terráqueo ao Planeta Brasil, que se tornaram entre os maiores sucessos de sua carreira como escritor, do ponto de vista editorial.

Alguns artigos, porém, são verdadeiras obras-primas de riqueza e profundidade analítica por si mesmas, como O Orgulho do Fracasso que, basicamente, sintetiza o objetivo deste ensaio, bem como de desdobrá-lo, e expor o cerne do problema sociocultural que envolveu a cultura e a alta cultura brasileira ao longo dos duzentos anos que se seguiu desde sua independência:

Olavo de Carvalho, O Globo, 27 de dezembro de 2003:
Língua, religião e alta cultura são os únicos componentes de uma nação que podem sobreviver quando ela chega ao término da sua duração histórica. São os valores universais, que, por servirem a toda a humanidade e não somente ao povo em que se originaram, justificam que ele seja lembrado e admirado por outros povos. A economia e as instituições são apenas o suporte, local e temporário, de que a nação se utiliza para seguir vivendo enquanto gera os símbolos nos quais sua imagem permanecerá quando ela própria já não existir.

Isto sintetiza perfeitamente o que é uma nação que busca para si a honra de se posicionar como um ente coletivo memorável a outros povos. Se um país quer ser potência mundial, como o Brasil e sua elite sociocultural e política dizem querer de geração em geração, repetindo as “nossas grandes riquezas”, deve saber que antes dela querer possuir uma economia rica e pujante para ser potência, deve querer ter uma cultura rica e pujante, mas não cultura de supérfluos, coloridos carnavalescos tão pueris quanto rasos, como vem sendo produzido no Brasil ao longo de séculos, mas de saber humano, contribuição à cultura universal, ou seja, o que seja válido para toda a humanidade e não somente para um tipo de sociedade específica presa a um tempo e espaço determinados.

Contribuição ao debate sobre a contribuição da cultura nacional ao mundo e identidade nacional

No Livro O Futuro do Pensamento Brasileiro, Olavo mostra de maneira mais profunda o que esse artigo O Orgulho do Fracasso resume: O Brasil passa atualmente por um processo longo de decadência da linguagem, e que o Português perde, por meio das instituições, e por meio da classe falante, sobretudo artística, o seu vigor de expressar a realidade nacional; a alta cultura desapareceu, e a literatura brasileira já não existe mais, ao menos, não existe mais a crítica literária capaz de centralizar obras contemporâneas que retratem um Brasil perene com o seu passado. Assim, a literatura atual sofre do espírito de ruptura que perpassa dois séculos, mas que atinge o cume de sua doença sociológica, no século XXI. Outro ponto, é a religião que perdeu a sua força ordenadora da consciência humana, e tornou-se em fonte de alienação e engajamento político, ou uma religião utilitarista, em que a Divindade e os preceitos morais estão ligados a superstições e não ao amor ao próximo que é, no dizer de Olavo, “a base das relações humanas”. A religião e seus legítimos representantes tornaram-se em curandeiros para problemas psicológicos ou farmacológicos, e até hoje vemos que é assim; apesar da crescente protestante no país, já próximo de desbancar a Igreja Católica que construiu o Brasil, apesar das adversidades, nesses quinhentos anos, não foi o suficiente para aumentar a espiritualidade madura no brasileiro, que enxerga no Protestantismo um meio de se livrar, primeiro da moral católica, depois do exame de consciência incessante, e mais fortemente, pelo desejo de encontrar uma fórmula que lhe faça Deus prosperar no trabalho, no casamento e na saúde, ou seja, a religião como culto de autoajuda. Não pense o leitor que estou citando a avaliação de Olavo, senão remotamente, na verdade, estou atualizando a observação proposta por ele já naquele tempo, e transpondo para a nossa situação cultural atual: A língua, a religião e a alta cultura brasileira estão fragmentadas e perderam a sua unidade, unidade esta que deve ser restaurada, por quem se interesse restaurar o Brasil como país, porque o que ficará do Brasil, quando este deixar de existir, é o que ele conseguiu expressar de Verdade por meio de sua língua, fé e alta cultura.

Conviver com a dúvida é o sentido da filosofia, buscar as suas respostas ainda que não as encontre. O trabalho de Olavo é como a de um mineiro que minando sempre mais os rios, as montanhas e cavando profundamente as cavernas, torna o trabalho mais fácil para quem o acompanha seguir suas pegadas para depois eles mesmos extraírem o ouro e as pedras preciosas que certamente com sinceridade encontrarão[16]. O Futuro do Pensamento Brasileiro é uma dessas obras que abrem uma mina de ouro para quem dela entender a sua proposta[17].

Mas sigamos suas próprias palavras, na Palestra realizada no I Encontro da Juventude Conservadora da Universidade Federal do Maranhão, em 5 de agosto de 2016, via videoconferência, em que ele aborda a questão da atual cultura brasileira[18]:

Muito bem, boa tarde a todos, muito obrigado pelo convite tão gentil para dar umas explicações aqui sobre o meu livro: O Futuro do Pensamento Brasileiro, que está sendo relançado agora pela Vide e que pode gerar muitas discussões frutíferas e proliferar em novos estudos sobre os temas ali anunciados, o que é exatamente o que eu espero que aconteça. Todos os meus livros estão repletos de sugestões descontinuadas – ideias para estudos absolutamente necessários e urgentes sobre a sociedade brasileira, a cultura brasileira, a mentalidade brasileira etc. etc. que não foram empreendidos até agora e estão esperando uma nova geração de estudantes e estudiosos que preencha essa lacuna; essa geração são precisamente vocês. Quer dizer, esses livros contêm não só um apelo, mas uma série de perguntas que eu não tive nem tempo nem meios para responder, mas que precisam ser respondidas.[19]

Exatamente como afirma o Filósofo Olavo de Carvalho, o que busquei neste ensaio, bem como noutros entre os quais ele está entrelaçado idealmente, foi dar uma “continuidade”, pretensiosamente, frutífera sobre o quadro atual da cultura brasileira, no que concerne à sua evolução histórica até o Bicentenário da Independência, e que já estavam ali apontados no já citado livro. Pois naquele tempo, Olavo já diagnosticava a doença da ruptura cultural que o Brasil vivia a passos largos, tendo como protagonistas desta ruptura, lamentavelmente, a própria intelectualidade brasileira, e junto com ela, a elite política e midiática, bem como os representantes da religião.

Desde o livro O Futuro do Pensamento Brasileiro, o Brasil enfrentou transformações importantes no seu quadro político-cultural e sociológico: Ascensão do Foro de São Paulo ao poder político local, regional e nacional, ascensão e retomada ideológica de um novo conservadorismo brasileiro, a Revolução Brasileira de 2013, ou melhor, partindo daquele ano, e que mudou drasticamente a posição passiva do povo brasileiro em relação àquela elite alienada que subiu ao poder e institucionalizou a vigarice pública nas relações entre líderes do Estamento Burocrático Brasileiro e a Nação.

O Brasil optou para a sua formação cultural um espírito de ruptura, e isto é a definição mesmo de uma cultura da anticultura, e uma cultura do rompimento, e ainda, uma cultura cronocêntrica. Com razão mais ainda, haveria um país desta maneira de abordar a si mesmo ter uma “síndrome de vira-lata”, pois sua elite não tem senso algum do que é forjar uma alta cultura de fato.

Ao optarmos, no instante da Independência, e continuarmos optando seguidamente por uma cultura centrada num valor contingente e acidental, nos impedimos implicitamente, de tentar criar uma cultura de importância universal.
Isso não quer dizer que nossa autodefinição nacional não seja importante, mas ela é importante para nós e não para o resto da humanidade[20]”…
Este problema do Brasil como país de ruptura histórica é uma constante desde a Independência, porque levou ao país a criar uma necessidade de autoafirmação quase psicótica, se se tratasse de indivíduos; como se trata de uma coletividade, a razão disto só pode vir de uma coisa: o pensamento da elite brasileira. De fato, é a elite brasileira, política e intelectual, que a cada geração, busca recriar o sentido de nacionalidade, relacionada ao porvir, mais do que o que foi no passado[21]. Isto explica porque episódios como a Guerra Holandesa, as guerras de reconquista do Rio de Janeiro, a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, a Guerra Grande, e mesmo a Guerra de Canudos foram esquecidas como fatos aglutinadores da nacionalidade, não tendo relevância na nossa literatura, que mal e mal produziram meia dúzia de livros que não fazem parte da imaginação popular brasileira, e quase com vício histérico foram eleitos a Guerra de Palmares, a Inconfidência Mineira, a independência improvisada do Brasil ao Portugal, a “proclamação” ainda mais improvisada da República, e a vanglória com que a República depois decantou um Getúlio Vargas. Depois disso, não é difícil que os comunistas se considerem fundadores do Brasil na nova era da “democracia e liberdade”, do “Estado democrático de direito”, em 1988, e que vigora até os dias de hoje.
Então, com relação à cultura brasileira nós temos aí pelas nossas costas uma vasta tradição de lugares-comuns, de chavões, de escritos culturais que sempre vão remeter à tripla origem – portuguesa, índia e africana – e repetir os chavões de sempre sobre isso. As origens étnicas da cultura brasileira, se vocês querem saber, não têm a mais mínima importância, porque a grande cultura de um país não é feita pelas suas origens étnicas, mas por indivíduos que exatamente transcenderam as suas origens étnicas e estão falando numa escala mais universal. Se você disser: “Bom, nós vamos explicar aqui a obra de Machado de Assis, Cruz e Sousa e Lima Barreto pelas suas origens africanas…” Isso é absolutamente impossível! Não que não tenha nada, tem alguma referência. Por exemplo, Machado de Assis está narrando uma história e tem na história um neguinho passando na rua vendendo pipoca – está aí uma referência. Ele fala que tem um escravo na casa – está aí uma referência. Mas todas essas referências fazem parte da matéria, não da forma. Existe algo na forma da nossa literatura que deva algo à literatura indígena, africana ou mesmo portuguesa? Não, porque as nossas formas foram aprendidas em primeiríssimo lugar da literatura francesa. Aprendidas e aprimoradas da cultura francesa, e da cultura europeia em geral. Por exemplo, não se pode esquecer a influência tremenda que Laurence Sterne teve sobre a técnica narrativa de Machado de Assis. Só que Machado de Assis vai infinitamente além do Sterne, ele pega aquilo e aperfeiçoa, transforma num instrumento de sondagem profundo do espírito humano. Do mesmo modo, você vê que a mentalidade do Lima Barreto foi feita quase que inteiramente lendo os livros do Hippolyte Taine, um grande historiador da época. Mas vão perguntar: “A técnica narrativa do Lima Barreto e os assuntos dele dependem do Taine?” Não dependem, absolutamente, é tudo uma elaboração original. A alta cultura é sempre obra de indivíduos que conseguem se erguer acima de seu meio sociocultural, senão não seriam obras que pudessem sobreviver à passagem das gerações e teriam apenas uma função documental[22].

Ele reforça, portanto, continuamente a ideia do país se desprender dos chavões criados pela elite sociológica neste país que é a ideia das três raças; matrizes portuguesas, indígenas e africanas, como ocorre com autores da sociologia que ganharam predominância quase total no Brasil[23]. Agora se acrescentando também as orientais, sobretudo árabes e também italianas e, como ele bem disse, francesas acima de todas as outras culturas. Hoje sem dúvida que a influência estadunidense é muito maior que a europeia, na literatura e na ciência, seja de modismos cronocêntricos ou de novas ideologias de massa com roupagens pseudocientífica.

Mas é a cultura do indivíduo que supera todo o seu meio social que faz a cultura e a sua importância, não generalidades de etnia, cor da pele, nem mesmo religião ou ideologia. Desfazer dos lugares comuns da nossa literatura, sociologia e forma de que nos autoavaliamos culturalmente é o começo do trabalho que sequer começou.

A visão do professor Olavo se destina a formar pessoas que sejam, de algum modo, parecidas com ele mesmo, quer dizer, pessoas voltadas para uma cultura ampla e universal, que busque a verdade e o transcendente em todas as culturas. Vejo nisto mais do que simples casualidade opinativa isolada ou mesmo idiossincrasias de uma personalidade vasta como a dele; mas sim a descoberta por parte de um intelectual universal da vocação mesma da alta cultura brasileira que deve se destinar a ser também uma cultura universal e menos bairrista, provinciana, de modo algum cronocêntrica, modernista (no amplo sentido), mas se apoiar na cultura comum dos povos que construíram o Brasil. Nisto, eu vejo também um aspecto que tem a ver com o caráter miscigenado do brasileiro, não me refiro somente ao sangue, mas sobretudo à cultura que todos comportam: o Brasil é uma cultura misturada, com uma psique própria, um espírito próprio, a essência do brasileiro está para além de laços de sangue, porque aqui famílias muito diversas se mesclaram, não há laços de arquitetura, pois todas os tipos ganharam um tom anarquista, e nem literário, posto que a literatura se dividiu em compartimentos mais ou menos grupais. Desta mistura, naturalmente os intelectuais brasileiros bebem de fontes diversas, diferentemente dos portugueses que bebem em primeiro lugar de sua própria fonte literária de mil anos. Em todos as grandes culturas literárias nacionais; francesa, espanhola, portuguesa, inglesa, alemã, italiana; sempre houve grande tradição que perpassava as mudanças e criava aquela tonicidade na literatura, rastreável de influências no seu conjunto, mas no Brasil, não, pois aqui cada literato é muito individual, é muito personalizado, e isto não evolui no sentido de uma tonalidade comum de literatura nacional, e paradoxalmente esta foi a grande busca da literatura nacional: encontrar uma forma genuína de ser um literato brasileiro. Com exceção de poucas características a se poder estereotipar: cigarro ou cachimbo, imponência barroca, olhar viril, palavrões e franqueza quase chula, seriedade cômica, e uma indizível preocupação com o bem geral do Brasil que perpassa em todas as obras como um espírito em comum a soprar, não há uma comunhão de intelectuais brasileiros, mesmo assim, esses caracteres curiosos podem ser encontrados no próprio Olavo, assim como também em Ariano Suassuna, Nelson Rodrigues, Plínio Salgado, Joaquim Nabuco, Mário Ferreira dos Santos, etc.

E continua avassaladoramente em sua avaliação ímpar na mesma conferência citada:

No Brasil aconteceu que o conhecimento popular da cultura foi sobrepujado pelo ponto de vista especializado dos antropólogos. O resultado disso é que, por exemplo, o Ministério da Cultura declarou o samba do recôncavo baiano como valor cultural universal. Eu digo: ah, sim, é valor cultural universal, mas Villa-Lobos não é? [Inaudível] não é? Hekel Tavares não é? Quer dizer, todos os nossos grandes compositores não são? Por que que o samba do recôncavo tem essa importância? Ele é um valor de que a humanidade precisa? A humanidade sem isto está empobrecida? É claro que não, porque todos os países têm os seus folclores, estão lotados dessas coisas e não estão precisando do samba do recôncavo da Bahia para porcaria nenhuma. No entanto, se você perguntar: “A cultura universal precisa do Villa-Lobos?” Precisa, porque ele fez alguma coisa que os outros não são capazes de fazer. Ele fez um upgrade em tudo o que ele aprendeu com a música clássica e daí outros podem aprender com ele[24]. São estes valores, que têm utilidade, que têm uma importância às vezes salvadora para o resto da humanidade, que nós temos que transmitir com o nome de cultura brasileira. Ou seja, nós temos que ensinar aos outros coisas que nós sabemos fazer e que eles não sabem. Se você pegar, por exemplo, toda a técnica novelesca do Machado de Assis, não tem similar no mundo, e não é só porque é diferente. Ela é melhor, ela aperfeiçoa, ela chega a pegar certas nuances da psique humana que é difícil você narrar o aprendido de uma outra maneira. Do mesmo modo, se você pegar a obra do Gilberto Freyre, ela alargou campo das ciências sociais de uma maneira formidável, tornando cognoscíveis amplos setores da existência social sobre os quais antes nem a sociologia, nem as ciências políticas, nem a antropologia tinha nenhum poder de preensão. Ele ampliou isso aí, entregou esse material para seus sucessores, e isto foi reconhecido no universo inteiro. Só no Brasil que não é. O cara dá uma riqueza para o mundo, o mundo reconhece, mas no Brasil o pessoal faz de conta que não. Por quê? Porque não corresponde às imagens estereotipadas. Isto não quer dizer que tenhamos que concordar com 100% com as interpretações que Gilberto Freyre fez. É claro que não. Muitas vezes a contribuição maior de um cientista social, de um historiador não está nas suas conclusões explícitas, mas nos instrumentos que ele criou para usar. Agora mesmo citei o Hippolyte Taine. O livro dele sobre a Revolução Francesa, “As Origens da França Contemporânea”, está cheio de erros históricos, porque naquele tempo não havia documentação suficiente, a documentação aumentou muito depois e os historiadores seguintes corrigiram muitas das suas conclusões, das suas narrativas. No entanto, ele tem um modo de enfocar as coisas que continua válido. Uma técnica interpretativa e narrativa que vale por si independentemente da aplicação que seu próprio inventor fez dela. Até hoje podemos aprender história lendo o livro do Hippolyte Taine, ainda que não possamos acompanhar todas as suas conclusões sobre os fatos. Do mesmo modo, o Gilberto Freyre tem muitas conclusões que foram superadas pela documentação posterior. Mas ele criou um modo de fazer sociologia e de fazer história social e esse modo continua ensinando gerações e gerações[25].

O que se deve procurar é uma forma integral da cultural e não um nicho se sobrepôr aos outros, porque a antropologia tem sem lugar, a sociologia tem seu lugar, a filosofia tem seu lugar, cada ciência tem seu lugar, mas a cultura deve abarcar a todos e, de algum modo, agradar a todos. Esta cultura integral do conhecimento, que favoreça o surgimento dessas personalidades, que una o conhecimento entre as ciências e a transforme nalgo novo, coligado com a realidade que o ser humano vive no Brasil é a grande contribuição de Olavo à cultura brasileira. Ele foi o maior, se não o único, que conseguiu dar uma visão geral da cultura e inserir seus alunos como que no status quaestionis da vida cultural brasileira, e estando nesse patamar de consciência, adquirir o que ele chama de Horizonte de Consciência, e a partir disso agir no mundo com aquela força transformadora, porque terá uma força criadora. Essa força criadora da cultura usa como matéria-prima a própria cultura nacional, no que ela tem de pior e melhor, mas buscando transcendê-la, porque a missão do intelectual é compreender sua vida em torno, seu lugar ao sol, e a partir disso agir, com uma força positiva, consciente de si e do mundo. Formar intelectuais brasileiros capacitados para serem, de fato, intelectuais brasileiros, foi a grande missão de Olavo de Carvalho e sua maior contribuição cultural, já que seu trabalho filosófico teve como pano de fundo este panorama cultural brasileiro, histórico e decadente, mas que deixara tesouros preciosos de gênios que foram, apesar da mesquinharia nacional para o trivial e modismo.

A valorização dos gênios no Brasil se dá de maneira inversa ao que é pelo mundo, pois no Brasil o gênio é desvalorizado e provado ao fogo, tratado com desdém por achá-lo “nariz empinado”, não restando mais do que esperar pelas gerações futuras que ele não conhecerá para compreendê-lo e valorizá-lo, mas com o vício cronocêntrico do brasileiro, será uma difícil barreira a ser derrubada. Este preconceito contra o gênio não é mais do que reflexo da inveja do brasileiro, porque ele mesmo trata os outros com desdém e gostaria de ser melhor que os outros para chamar atenção e levantar holofotes, não por ter algo a oferecer ao próximo. Dito isto, não quero dizer que qualquer homem, mesmo um gênio, deva ser glorificado em vida, a questão não é esta, mas é vê-lo como amigo e explorá-lo para saber mais dele o que se pode saber, inclusive de instigá-lo a ser melhor, e não este comportamento de levantar o narizinho e fingir que o seu trabalho não é nada demais ou que pode ser ignorado como um entre iguais, geralmente por uma mediocridade mórbida como é no Brasil, de que o que faz parte do grupelho, faz parte do futuro a ser seguido, ignorando que o gênio é solitário, e os grupos em geral são tolos. Perde-se a oportunidade de arrancar do gênio o que ele tem de melhor a oferecer, como ocorreu com Gilberto Freyre, como ocorreu com Otto Maria Carpeaux, Olavo de Carvalho e Mário Ferreira dos Santos, para ficar deles somente a mofa de crianças que se aplaudem por serem palhaços.

E não posso deixar de citar também:

Então, nós temos que pegar de toda a produção cultural brasileira não aquilo que documenta o nosso modo de ser, porque o modo de ser muda – aquilo que era importante numa geração deixou de ser importante na outra –, mas aquilo que tenha utilidade e valor pedagógico para as gerações seguintes e para o público do exterior, idealmente para a humanidade inteira. Se nós perguntarmos o que nós demos realmente para a humanidade, no conjunto da cultura – e neste livrinho me abstive propositadamente de abordar literatura de ficção, as artes, o teatro etc. etc. e me ative à área de filosofia e ciências humanas –, vi que espremendo tudo sobravam quatro obras, que são a do Miguel Reale, a do Otto Maria Carpeaux, a do Gilberto Freyre e a do Mário Ferreira dos Santos, que são riquezas das quais o mundo precisa, e este que tem que ser o critério. Um país não pode viver na contemplação eterna de seu próprio umbigo. “Ah, estamos procurando a nossa identidade!” Bom, você chega na Islândia e que importância tem a identidade brasileira pro cara da Islândia, ou pro cara da Zâmbia, ou pro cara de Serra Leoa? Nenhuma, ele quer que o brasileiro se dane, ele está preocupado com o seu problema. O quê que nós vamos consumir da cultura que vem desses lugares? Aquilo que tiver um valor universal e utilidade pra nós, e eles farão exatamente a mesma coisa[26]

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A morte do último intelectual universal brasileiro - parte 4 (final)

Tecnologia e o nosso futuro