a morte do último intelectual universal brasileiro - parte 3

 A Morte do Último Intelectual Universal Brasileiro - Parte III

Os Cinco Pilares da Cultura Universal Brasileira

Olavo cita no livro O Futuro do Pensamento Brasileiro, que é em verdade uma coletânea de trabalhos menores em tamanho, mas que convergiam para o mesmo tema, em quatro autores brasileiros que possuem uma colaboração à cultura universal para oferecer ao mundo, e que constituem a representação máxima da inteligência brasileira ao mundo: Miguel Reale (filosofia e jurídico), Otto Maria Carpeaux (crítica literária e história da literatura), Gilberto Freyre (Sociologia e historiografia) e Mário Ferreira dos Santos (filosofia)[27]. O Reale fez uma contribuição fundamental no campo do Direito, investigando qual seria o objeto do Direito, campo preferido da burocracia brasileira desde os tempos do Brasil Império; Carpeaux compreendeu toda a literatura europeia de cabo a rabo, sintetizando-a num estilo dialético próprio milênios de cultura na sua História da Literatura Ocidental, tornando o Brasil no país que graças a ele compreendeu a literatura da cultura da qual o Brasil é subalterno periférico e ingrato, também num golpe de vista abrangente tal qual ele soía ter, compreendeu e abarcou o cânone da literatura brasileira, um talento para mudar de cultura que só seu talento poderia fazer, captando as mínimas mudanças que as personalidades e escolas literárias do Velho e, mais tarde, do Novo Mundo surgiam; já Gilberto Freyre foi o homem que compreendia o Brasil como um todo e ofereceu uma profunda análise da identidade nacional e sociológica brasileira, bem como ferramentas próprias para se continuar o trabalho investigativo: Civilização Telúrica Tropical, uma China Tropical, um arquipélago sociológico, ainda por se criar sua tropicologia, lusotropicologia, hispanotropicologia, uma complexidade sociológica comparável apenas com as grandes civilizações imperiais antigas do mundo, e que perduram coetâneas: Rússia e China; e por fim, Mário Ferreira dos Santos com descobertas desde o pensamento platônico ao pitagórico, ultrapassando a compreensão da filosofia milenar ocidental inteira, criando a mais abrangente filosofia que vai da ontologia às leis fundamentais da filosofia concreta, com uma obra tão vasta que sozinha é maior que quase todo o restante da cultura brasileira, até a chegada de Olavo que deu a sua própria guinada da cultura geral do Brasil, como veremos.

Mas, para que saibamos o critério e o peso do que isso significa, vamos ver o que o próprio Olavo fala em O Futuro do Pensamento Brasileiro, obra de ensaios reunidos em que ele sintetiza os fundamentos e contribuições brasileiras à cultura universal:

As razões que sustentam essa avaliação podem ser resumidas em quatro palavras, que definem as esferas de realização abrangidas por cada uma dessas obras ciclópicas: cada uma delas é, mais que qualquer outra produzida neste país, abrangente, consistente, única, e universal. Estes quatro adjetivos não têm apenas uma função enfática e laudatória, mas traduzem critérios precisos.
Nas minhas palavras, no entanto, resumo da seguinte maneira:
  • Síntese e status quaestionis de um campo do conhecimento humano até o momento que o autor deu forma a sua pesquisa e colaboração a sua compreensão;
  • A obra não é caótica, mas possui elementos metodológicos precisos e por si úteis pelos seus princípios de aplicação, não obstante a abrangência do campo;
  • Não possui respaldo noutra cultura, quer dizer, é uma produção metodológica autóctone e única;
  • A universalidade da obra para todo o gênero humano, e não apenas para um aspecto como terreno geográfico, tempo histórico recortado, sociedade, indivíduo, religião, etc.

Olavo de Carvalho é o quinto pilar desta seleta de autores brasílicos que contribuíram à cultura universal. Sua colaboração vai desde o desenvolvimento da ciência à sua evolução moderna, apontando os problemas contemporâneos, ainda insolúveis da Ciência Moderna; na psicologia, uma vasta obra da compreensão dos diversos elementos da psique humana, de seu desenvolvimento, fases e complicações, compreendendo não só o seu surgimento histórico, mas seu estado atual e seus dilemas, e colaborando com uma vasta obra espalhada nos seus escritos e aulas que tendem para a sanação dos problemas de ordem psicológica, e que ficou sintetizada numa ferramenta de autopercepção do eu humano em suas diversas etapas possíveis de desenvolvimento, denominada Teoria das Doze Camadas, um amplo tesouro que pode revolucionar a psicologia universal, criando um arcabouço teórico para a percepção da alma humana como ente dotado de vontade; na sociologia, e cultura moderna, com a síntese da Mentalidade Brasileira e do desenvolvimento sociológico da cultura das últimas décadas, permite ao brasileiro entender as próprias dores e dificuldades ensejadas na cultura de longa data; Compreensão do Movimento Revolucionário e Comunista como nenhum outro, talvez, no mundo, desenvolvendo as teses sobre o Pensamento Revolucionário, suas origens e implicações; os diversos problemas de princípios metodológicos da filosofia dos últimos séculos, sintetizados sobretudo na Paralaxe Cognitiva; descoberta dos Quatro Discursos em Aristóteles, dando uma nova compreensão do homem que é a base da Filosofia e Ciência Ocidental, e muito mais. Mas penso que sua maior colaboração de todas tenha sido mesmo a compreensão da alma humana, com suas fragilidades e anseios, dores da formação e deformação da personalidade, a criação de uma pedagogia conforme o público que conheceu por antecipação, visando o desenvolvimento de seu caráter, que seja firme e resiliente num Brasil que sabotara deveras seus maiores nomes, incluindo os cinco pilares de sua cultura universal! Pois é importante notar que sua obra não se restringe a um grupo, a uma nação, a uma época, sua obra não é útil apenas para os seus amigos, para sua profissão, sua classe ou ideários, mas também até para os seus inimigos, outros povos e épocas, se destina para as próximas gerações. Seu método desnudador de consciências é único, atende pelo critério da confissão de si e da própria história, é a filosofia do espírito que se percebe perante um eu fragmentário e social.

Toda essa imensa obra que perfaz sobretudo nos seus milhares de alunos é fruto de uma vida dedicada em amar e defender a verdade, virtude esta ensinada por ele firmemente ao longo dos anos e no Seminário de Filosofia, sua Obra-prima. O Seminário de Filosofia é um ambiente filosófico virtual criado para que ele pudesse apresentar e desenvolver sua filosofia, mediante estudos de casos, entre outros aspectos, mostrar como um filósofo à maneira socrática e aristotélica deve filosofar para os seus discípulos, a fim de que se crie novos, se possível, filósofos. Trata-se de uma academia platônica de fato, mas virtual e que abrange um continente, ou um oceano de pessoas e interesses livres, lançando as redes como Cristo para apanhar peixes bons e ruins, quem tenha vocação e quem não tenha, mas sendo beneficiados pela presença de um intelectual universal.

Um escritor digno do cânone brasílico

Desde muito novo Olavo quis ser um escritor e quis escrever numa linguagem que todo brasileiro pudesse entender, uma linguagem franca e carregada de humor e até da simplicidade brasileira em geral. E na verdade, ele conseguiu.

Um verdadeiro escritor não está interessado em defender uma posição partidária, está interessado em apreender a verdade de suas observações, da vida nas suas circunstâncias exteriores e interiores, no meio em que se vive, e no seu íntimo mais profundo, nos movimentos de sua alma, poder expressar-se, como diz Ortega y Gasset, ensimesmar-se. Um escritor que de antemão assume ser portador de uma ideologia ou partido, vai escrever para o público deste partido, excluindo os demais. O homem que discursa para o seu partido, para o seu grupo, está interessado em mostrar para eles o quanto ele é bom e o quanto eles devem gostar dele por isto. Ao contrário, o verdadeiro escritor está interessado na verdade de cada coisa, a verdade no inimigo, a verdade no amigo, a verdade na indiferença, a verdade naquilo que ignora, a verdade naquilo que ele sofre. É por essa razão que os verdadeiros escritores sempre foram maltratados e desprezados no Brasil. Ser ignorado e perseguido é quase sinal de que se está fazendo um bom trabalho, porque esta é a tendência geral do brasileiro para com seus mestres. Mesmo com a cultura de livros em alta hoje pelo país, padecemos do mesmo mal; o alarde contra as vozes que destoam da verdade grupal, em vez da verdade universal, de modo que todo mundo quer agradar a um grupo ou fazer parte deste para se sentir confortável em seu ego fraco e juvenil. Em vez dele conferir força a um grupo que lhe apraz com as suas legítimas ideias, conforma-as para não desagradar a este mesmo grupo, por medo de se excluir. Para isso, faz o contrário do que um escritor deveria fazer, em vez de estudar a questão com toda a sua complexidade, passa a ignorar tudo aquilo que a sua inteligência diz, para não ofender aos seus seguidores já embasados em tais e tais ideias. Ter as ideias presas por conta de grupo é a morte para um verdadeiro escritor, e é por isso que o Brasil quase acabou com todos eles. É proibido ter ideias próprias, questionamentos próprios, todo mundo quer taxar alguém numa bandeira que não é a dele. Olavo de Carvalho foi o último escritor verdadeiro no Brasil, e morreu digno de ser colocado no Cânone Brasílico.

Apesar de que muito ajudou um movimento político conservador no Brasil, sua intenção primeira e última era formar uma nova classe de intelectuais sérios que pudessem futuramente encontrar soluções para um Brasil futuro, superior ao atual, e não necessariamente soluções políticas, porque estas são frutos da inteligência humana. Se ele colaborou para uma política nacional de um determinado tempo histórico, isto pode sim ter ocorrido graças ao seu trabalho atuante, mas como um subproduto, ou seja, como um eco deste trabalho. De certa maneira, esta colaboração já ocorreu, tanto na cultura com centenas de livros que ajudou a trazer para o Brasil, e pô-los em circulação, quanto na política, já que seu nome estava no protagonismo da influência opcional desde 2013 (em que desde já trabalhamos no ensaio A Ascensão do Novo Movimento Conservador Brasileiro), no que ele chamou de “Revolução Brasileira”, e mais tarde no impichamento de Dilma Rousseff, e especialmente de 2018, na campanha política nacional, em que ajudou a eleger um presidente, bem como várias figuras tidas como conservadoras; sua influência no Movimento Conservador ajudou esta massa disforme de interesses se convergirem como um poder político atuante a nível nacional. Foi uma verdadeira ressurreição do conservadorismo brasileiro. O ponto de ruptura criado no fim do Império, ou mesmo no início deste em alguns aspectos como já discutíamos (em 1822: Um Império nas Américas), de certa maneira, Olavo criou uma nova ponte, entre uma tradição brasileira que se perdeu nas brumas do tempo, e outra, que parece ressurgir das mesmas brumas, e que agora na dianteira do século XXI, alcança a chance de protagonismo. Coincidência ou não, é fato que Olavo de Carvalho foi esta ponte, sobretudo entra a alta cultura brasileira do passado com a possível nova do futuro.

Olavo foi um exemplo de escritor que nele havia diversas contradições, não lógicas, mas de um espírito que apreende e aprende com a complexa realidade interior e exterior da vida suas múltiplas faces. Para um escritor assim, todo indivíduo que pensa por um grupo, ou pensa pensar por um grupo, o vê como membro oculto de seu inimigo, não consegue conceber que aquela suposta contradição não é contradição alguma, é apenas a conformação da mente à realidade, e não o contrário, é apenas o desejo sincero de saber algo e não opinar para agradar-se ou agradar a quem, mas servir ao que um intelectual deve servir, como diz o Padre Sertillanges, sua maior, talvez influência, a verdade. Quão difícil é para o brasileiro de todos os tempos entender isto, especialmente o brasileiro atual tão acostumado ao padrão dos subprodutos dos holofotes de cultura? De fato, está acostumado a chamar de escritor aquele que está discursando para um lado político, para uma plateia de bajuladores menores que não o entendem, e todo o seu trabalho deveria se voltar para defender e agradar a esse mesmo partido e seus membros, ou quando muito, não falar a verdade para não atingir a integridade (i)moral de seus leitores. Mas Olavo de Carvalho, como grande intelectual que era, um intelectual de envergadura universal, não se deixou abater por isso, venceu a mediocridade geral, e elevou o Brasil no rol de países com uma pujante alta cultura por oferecer com os cinco pilares que ele mesmo ajudar a expor ao Brasil contemporâneo. Por ser essa ponte entre dois Brasis de alta cultura, a primeira consolidada e existente, a segunda ainda como uma esperança acesa, é que ele deve ser parte do novo cânone com sua obra colossal como a de Mário Ferreira dos Santos, seu antecessor.

Mas Olavo também muito se preocupou com o Brasil atual, bem como com seu futuro enquanto nação; em si mesma, na verdade, teve publicamente vociferando contra os vícios contra a verdade, contra a propagação da linguagem e sua manipulação retórica, como norma do conhecimento e de aquisição de cultura. Mais do que isso, ele esbravejou contra a mesquinharia e autossabotagem do brasileiro para com seus nobres dons. Pois é a busca da verdade o que produzirá aquilo que perdurará no tempo, a grande tradição que se preservará da ruína, não simples objetos icônicos de tribos ou danças ritualísticas sem maior proveito essencial para a humanidade, importando somente à antropologia e historiografia científica.

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