A morte do último intelectual universal brasileiro - parte 4 (final)
Colaboração ao estudo da Identidade Nacional como um problema
A identidade nacional é o espírito, a psique, a unidade cultural de um povo, e isto vai muito além de bugigangas e quinquilharias particulares de um grupo ou tribo: é o que uma sociedade contém de verdade em seus costumes, e como trabalha e perpetua estas verdades, na forma de uma tradição, ritos, folclore, símbolos, numa força mitológica de se perpetuar para além do tempo. A identidade nacional é o espírito de nacionalidade, ou o sentimento, que une pessoas de diversas classes e estilos de vida em torno de uma pólis.
Em 1990, pronunciei na Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro, uma conferência sob o título de “O fim do ciclo nacionalista”. A tese central era que a cultura brasileira, tendo como foco a busca e afirmação da identidade pátria, não sobreviveria ao advento de uma nova situação mundial marcada pela dissolução das soberanias nacionais e por aquilo que viria a ser chamado de “multiculturalismo”. O Brasil havia chegado tarde demais ao palco da História e, excetuada a inverossímil hipótese de um upgrade intelectual formidável, suas elites seriam engolfadas por transformações mundiais que ultrapassariam de longe a sua capacidade de compreensão. O Brasil como unidade política autônoma estava em perigo de dissolver-se, sem que suas lideranças fossem capazes sequer de perceber o que se passava[28].
Assim como em inúmeras outras situações, uma afirmação, do ponto de vista do Bicentenário do Brasil Independente, uma profecia comprida, de cujos efeitos podemos bem ver. A elite falante do Brasil, hoje, não é mais do que serviçal pueril dos interesses do multiculturalismo, do cronocentrismo de termos e ideias advindas do eixo norte-americano e europeu, sendo estes já em contexto de autodemolição das identidades nacionais a todo vapor.
“Toda e qualquer identidade nacional que signifique alguma coisa na realidade, que não seja só um mito oficial, funda-se na consciência histórica transmitida e reforçada de geração em geração, bem como nos valores tradicionais que essa História incorpora e simboliza.”[29]
Que identidade nacional há no Brasil? Ainda que um mito oficial? Não há, não existe, porque mesmo este mito oficial, que não existe na realidade, sequer virou história e mito passado e repassado de geração em geração, não virou um símbolo explorado e incentivado como força centrípeta do imaginário, fazendo com que a criação artística promovesse naturalmente este símbolo do ser brasileiro. Assim, o que se define identidade nacional brasileira, longe de ser uma unidade psíquica, cultural e intelectual ou simbólica, com toda a pujança que isto significa para uma grande cultura, o que o Brasil tem de si mesmo não é mais do que simples defesa ambígua do território, que o brasileiro acha, aliás, que existe por si, tal como peixe nasce na água, já definidamente pronto[30]. O brasileiro médio, e mesmo os mais “estudados”, são incapazes de conceber em sua consciência que um país do tamanho que é o Brasil só existe porque houve uma longa, cruel e beligerante história de guerras, conquistas, derrotas, e de homens que enfrentaram de tudo: de franceses a jesuítas, de canibais a santos, para que fosse construído e fosse o que é.
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A obra que abro para comentar mais detalhadamente o pensamento de Olavo de Carvalho a respeito do Brasil e de seu futuro, atualíssimo para este Bicentenário da Independência do Brasil, como o veremos, é de fato O Futuro do Pensamento Brasileiro, obra feita ainda em 1997 e que ecoa o Imbecil Coletivo e o Jardim das Aflições, como uma estrela de uma constelação, que traceja o estado da cultura brasileira contemporânea dos últimos cinquenta anos, recorte estudado nesta série de ensaios, mas que já trazia à tona toda a máxima do debate que não se perdeu: primeiro de um Brasil de 500 anos, que se esfacelou sua cultura, e depois para um Brasil de 200 anos de independência, moribundo da consciência histórica, alicerçado em rupturas contínuas, e, por fim, o desenvolvimento da (in)cultura dos últimos cinquenta anos, que tratou de matar o que ainda restava de Brasil:
“Se existe um Brasil, se existirá portanto um pensamento brasileiro, ninguém pode garantir. O que é absolutamente seguro é que a subsistência do primeiro depende do segundo. Ao longo das eras, as nações têm perdurado menos pela estabilidade de regimes, governos, constituições e Estados, que pela força indefinidamente renovável de um certo núcleo de ideias, formas, e símbolos, básicos que constituem a essência da sua herança cultural, entre os quais principalmente a língua, a religião e as grandes criações da imaginação e da inteligência. Estes bens constituem a terra sobre a qual nascem, evoluem, se transmutam e morrem as constituições políticas. Se queremos saber que futuro pode ter este país, devemos olhar menos para o Brasil-Estado do que para a unidade cultural, espiritual e psicológica que o sustenta”[31].
Passados vinte e cinco anos, o espaço de uma geração, e o problema cultural do Brasil não ficou melhor, a avaliação de Olavo de Carvalho para os fins da década de 1990 continua igualmente válida para o início da década de 2020, em especial para este ano de 2022, ano do Bicentenário, em que a avaliação profética de se se haverá um pensamento brasileiro que possa sustentar a existência mesma do Brasil, já caminha para a certeza de um colapso completo da inteligência e imaginação. No ano do Bicentenário da Independência brasileira, e não há um debate de ideias, de formas e símbolos que possibilitem discutir o Brasil como unidade cultural, espiritual e psicológica. Pode se dizer que tais termos já se tornaram, em absoluto, incompreensíveis, mesmo para uma boa parcela do círculo de seus discípulos, que supostamente aprenderam muito de suas ideias. Digo isto com certo pesar, porque se haveria um futuro pensamento brasileiro, que Olavo tentou formar durante estes vinte e cinco anos, surgiria a partir deste grupo de seu círculo direto de influência. Após a sua morte, em 24 de Fevereiro de 2022, ficou cada vez mais claro que a preocupação de parte significativa deste círculo se restringiu a um movimento político eleitoreiro, com horizonte consciência muito estreito e ligado por chavões, que visa resultados rápidos e práticos, e mesmo a esfera de atuação da cultura no sentido mais estrito, ainda se limitou a orbitar na política ou disputa pelo poder, como se a cultura e o pensamento fossem dirigidos para o epicentro do poder político-estatal imediato. É evidente que isto se trata de um deslocamento grave da realidade.
“Visto desde essa perspectiva, o panorama da cultura brasileira não é dos mais promissores. Nossa tendência à supervalorização do popular, do antropológico, do documental, do típico, mostra uma propensão egocêntrica, quase autista, de uma geração que pretende que os homens do futuro se interessem antes por ela do que por si mesmos. Pensem bem: qual de nós, olhando para o legado imperial, se interessa antes por modinhas populares, por festas de escravos e senhores, por modas de salão e praça pública, de que pelo sentido permanentemente renovável do pensamento de Machado de Assis?
Se queremos sondar o futuro desta cultura, basta separar, nela, o que está condicionado e delimitado pelo valor documental de um momento, de uma conjuntura, de uma fase, e o que tem valor independentemente de afeições e interesses momentâneos, por mais justos que sejam desde o ponto de vista político, social, etc. É esse núcleo de valores supratemporais que poderá, renovando-se perpetuamente, inspirar as criações do futuro...”[32]
Como se vê, o futuro do pensamento brasileiro depende de que haja pessoas que pensando para além do umbigo, e isto quer dizer também para além do imediato, tanto a nível individual, como a nível nacional, não se terá uma produção cultural madura que é o que favorecerá uma alta cultura pujante e rica, que dialogue com o homem de todos os tempos e lugares. A criação desta classe de intelectuais foi o alvo de Olavo de Carvalho, revelar a necessidade de se olhar o passado, para os homens que do Brasil têm algo a oferecer ao mundo, então ponho que este livro O Futuro do Pensamento Brasileiro deve ser colocado como entre aquelas obras que ajudaram a guiar o Brasil e sua cultura para além das gerações em que ele fora escrito[33].
Com a morte do último intelectual universal, e que tinha uma visão ampla de Brasil, fica mais difícil que se consiga realizar esta operação de resgate do pensamento brasileiro ou de sua permanência enquanto cultura, já que todos os dedicados à vida do espírito e dos estudos, os são de temas muito específicos, fazendo com que não haja aquele epicentro de referência ao debate de ideias que Olavo era quando presente no cenário cultural. Ele continua falando, porém, com sua obra. Ele expôs inúmeros temas para seus alunos estudarem e se dedicarem, se fizerem trabalhos sérios sobre estes temas, a cultura brasileira chegará a um outro patamar, se negar e esquecer sua obra, bem como sua proposta, então o país não resistirá às mudanças culturais que continuam a moldar o rosto do Ocidente e do Brasil, mediante o cronocentrismo. Entre os temas a serem estudados no Brasil, está este o de buscar desvelar o Brasil como uma unidade cultural, espiritual e psicológica[34].
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Nesta obra sobre o futuro do pensamento brasileiro, Olavo destaca ainda a importância de se ouvir os mortos, eles são a classe mais excluída de todas, os excluídos dos excluídos, como disse num simpósio internacional para a UNESCO[35]. A importância de se ouvir os mortos a partir deles mesmos; do que eles têm para dizer ao nosso mundo de hoje, é o que torna importante para o Brasil retornar de forma urgente. José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Plínio Corrêa de Oliveira, Gilberto Freyre, Miguel Reale, e agora o próprio Olavo, entra neste seleto grupo de homens heroicos que fizeram pelo Brasil uma entrega avassaladora para compreendê-lo como um todo e dá-lo um futuro que possa chamar de seu. Eles juntamente com vários outros, formaram e quiseram formar um futuro pensamento brasileiro para preservar e manter uma futura nação brasílica. Mas resta a nós, dessa geração, ouvi-los como eles diriam para nós hoje, não segundo suas classes sociais, fazendo um compilado de supostos desejos ideológicos por trás de suas ideias, mas segundo este mesmo espírito de entrega salutar que tem o amor pátrio como um bem. Mas se o bem da pátria foi por eles um bem, foi sobretudo porque buscavam e amavam a verdade, queriam uma sociedade que se afastasse dos vícios que lhes impediam justamente de chegar a este bem em seu tempo. De José Bonifácio a Olavo, todos seguiram seriamente nesta luta.
Deus levantou Olavo de Carvalho precisamente para não deixar a civilização no Brasil acabar inteiramente. Existindo como uma força centrípeta, um astro solar que faça os demais orbitarem em torno de si, será assim que ele fomentará o início do resgate cultural do Brasil que ainda está só no começo e que exige de seus seguidores muito mais do que a repetição de suas ideias, mas o que ele verdadeiramente fomentou e quis que é a fomentação de uma pujança da atividade do espírito, da criatividade como um todo, capaz de gerar para o Brasil uma cultural superior que permita este mesmo país exista para além do tempo presente.
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O grande debate do Brasil durante estes dois séculos foi encontrar a sua identidade nacional, agora deve ser o de justificar-se perante o tribunal da história o porquê deverá continuar a existir como país, numa época em que o sentido das nações e da nacionalidade se perde rapidamente.
Se existe um futuro pensamento brasileiro, isto depende de que haja pensadores vivos, vivos de ideias vivas como Olavo de Carvalho foi e é. É hora de valorizarmos o nosso passado como ele é: para nós, um mestre para o nosso futuro, assim teremos aprendido algo com o último intelectual universal brasileiro.
[1] Olavo de Carvalho, O nacionalismo contra a nação, Diário do Comércio, 3 de Abril de 2008: “Em 1990, pronunciei na Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro, uma conferência sob o título de ”O fim do ciclo nacionalista”. A tese central era que a cultura brasileira, tendo como foco a busca e afirmação da identidade pátria, não sobreviveria ao advento de uma nova situação mundial marcada pela dissolução das soberanias nacionais e por aquilo que viria a ser chamado de “multiculturalismo”. O Brasil havia chegado tarde demais ao palco da História e, excetuada a inverossímil hipótese de um upgrade intelectual formidável, suas elites seriam engolfadas por transformações mundiais que ultrapassariam de longe a sua capacidade de compreensão. O Brasil como unidade política autônoma estava em perigo de dissolver-se, sem que suas lideranças fossem capazes sequer de perceber o que se passava.”
[2] Idem;
[3] E é nisso que considero o trabalho de Darcy mais limitado, pois ele não consegue sair da esfera de sua filosofia positivista e revolucionária, e vê na mistura sincrética um valor, quando na verdade esta, ao meu ver, não é senão matéria-prima para uma transcendência, creio eu, ignorada pelos “sábios”. O que faltou para Darcy Ribeiro foi uma história espiritual de Brasil, mas a base intelectiva fora dada, e eu não a desperdicei.
[4] Olavo de carvalho, Aula 149 do COF;
[5] Coisa que seus admiradores, no entanto, não possuem a mesma habilidade, tornando pedantismo e mimetismo barato as tentativas frustradas de impor apelo moral em xingamentos ou discussões de internet, soando puerilidade e arrogância pretensiosa.
[6] No entanto, não tenho autoridade para falar do COF em pormenores, visto que eu acompanhei, até o momento, menos de um terço do COF. Além disso, o COF merece um trabalho expositivo extenso, por sua riqueza. Para se ter uma ideia, só os livros de índice do COF possuem juntos 750 páginas, e acompanham apenas um quarto das aulas.
[7] Olavo dizia que para entender um filósofo e sua filosofia, citando (nome), era saber contra quem ele se levantava, e para entendê-lo, não é menos verdade esta afirmação. Sobretudo as aparentes miudezas discutidas no COF na sua fase mais “polemista”, quer dizer, a última, por ocasião da ascensão política do neoconservadorismo brasileiro (ver ensaio sobre a ascensão do neoconservadorismo brasileiro), e a tomada do Governo Bolsonaro e a ação do Movimento Comunista Latino-americano no Brasil durante este período, são melhor entendidas, e talvez, unicamente entendidas tendo como base toda a exposição filosófica das fases anteriores, e até mesmo em períodos pré-COF. Em geral, tanto alunos e admiradores, quanto detratores, se apoiam nas discussões levantadas por Olavo de maneira isolada de sua filosofia, o que rebaixa as exposições e análises para o nível de comentário político-sociológico, o que está tão longe da verdade.
[8] Olavo de Carvalho, A Nova Era e a Revolução Cultural: Fritjof Capra E Antonio Gramsci, Vide Editorial, 4ª edição, revista e aumentada, 2014
[9] Olavo de Carvalho, O Jardim das Aflições: De Epicuro à ressurreição de César: ensaio sobre o Materialismo e a Religião Civil, 3ª edição, Vide Editorial, 2015;
[10] Este conceito pode trazer muitas interpretações errôneas, porque ora se pode usá-lo numa qualificação negativa ou mesmo pejorativa, como por exemplo, a ideia de disputa dos espaços públicos para infundir o pensamento, em geral político, na cabeça de alguém propositalmente, ou seja, criando uma relação promíscua de influência articulada tal como engenharia social, ora pode ser usada para descrever um fenômeno que já o é dessa mesma maneira, só que naturalmente, que se trata da profusão das ideias de qualquer quem seja. O caráter revolucionário de Antonio Gramsci provém da ideia de anular toda forma de dissidência do pensamento revolucionário, sem mesmo declará-lo como tal, mas como uma ideia unânime e inquestionável, natural e fruto da maturidade do tempo, que é exatamente o que ocorre dentro das classes universitária, jornalista e política brasileiras atuais; nesta estratégia, declarar a profusão do pensamento único comunista para fomentar a revolução não é necessário, e se denunciado, ridiculariza-lo-á.
[11] Olavo de Carvalho, O Imbecil Coletivo: Atualidades Inculturais Brasileiras, Vide Editorial, 2021;
[12] Abro uma citação encontrada n’O Futuro Pensamento Brasileira, obra que trabalharemos ainda mais à frente deste ensaio, que respondendo a uma pergunta duma jornalista, diz a respeito do conceito e livro homônimo Imbecil Coletivo:
“Gramsci achava que quem pensa e conhece não é o indivíduo humano, a individualidade biológica, mas a coletividade. Segundo a opinião de Gramsci, nós seríamos apenas os órgãos de uma espécie de ser coletivo. No meu parecer, isso é o cúmulo do absurdo, pois o coletivo tem acesso apenas a termos gerais, por indução quantitativa, não ao universal. O universal é necessário, apodíctico. Só a consciência individual tem acesso a verdades universais: a coletividade não tem. Ela tem acesso apenas à opinião geral, e o “imbecil coletivo” não pode pensar, só repete ideias já formuladas. Antes de rebentar a Revolução Francesa, já começavam a se formar clubes de uma “elite falante”, cuja atividade intelectual se realizava em assembleias. O protótipo do membro das “classes falantes” é um indivíduo que não aguenta viver sozinho. Se a sua opinião não for compartilhada com outros, ele fica desesperado. Creio que, ao contrário, a vida do intelectual está ligada à solidão. Ao surgir a ideia do “intelectual público”, que deve mostrar permanentemente o seu rosto, surge também a “imbecilidade coletiva”, a partir da incapacidade do indivíduo de ver as coisas fora do contexto de sua casta.” Página 133 da 4ª Edição.
[13] Olavo de Carvalho, Aristóteles em nova perspectiva: Introdução à Teoria dos Quatro Discursos, 2ª edição, Vide Editorial, 2013;
[14] Olavo de Carvalho, A dialética simbólica: Estudos reunidos, Vide Editorial, 2ª Edição, 2015;
[15] Olavo de Carvalho, A Filosofia e seu Inverso e Outros Estudos, Vide Editorial, 2012;
[16] Como eu mesmo colhi e sigo a colher.
[17] Olavo de Carvalho, O Futuro do Pensamento Brasileiro, 4ª Edição, Vide Editorial, 2016;
[18] Olavo de Carvalho, Palestra realizada no I Encontro da Juventude Conservadora da Universidade Federal do Maranhão, 5 de agosto de 2016, via videoconferência.
[19] Idem;
[20] Olavo de Carvalho, O Futuro do Pensamento Brasileiro, 4ª Edição, Vide Editorial, 2016, página 34;
[21] Brasil, País do Futuro, de Stefan Zweig: até hoje, ele com suas impressões pessoais, consegue manifestar o que é o anseio do Brasil de duzentos anos.
[22] O.C. Palestra realizada no I Encontro da Juventude Conservadora da Universidade Federal do Maranhão, 5 de agosto de 2016, via videoconferência;
[23] Citaria Darcy Ribeiro e o próprio Gilberto Freyre, mas já é uma noção onipresente. Concordo quanto a matriz étnica inicial brasileira, embora com o Brasil independente houvesse recebido enorme quantidade de pessoas do Oriente e da Europa. Para mim, porém, é uma novidade ouvir que a literatura francesa tenha influenciado mais a literatura brasileira que a própria cultura portuguesa. Talvez isto seja mais um ponto para esta cultura da ruptura? Porque desligar-se da língua pátria é como a árvore se desligar da seiva que a alimenta. Esta língua vai perdendo mais e mais o vigor próprio, para se tornar numa repetição.
[24] No momento em que escrevo este ensaio, estou escutando Villa-Lobos. Estive escutando Villa-Lobos pelos últimos dias que é um grande compositor brasileiro e que não conhecia a sua obra, apenas tinha ouvido falar, como muitos brasileiros, infelizmente, e então ao escutá-lo tive a impressão de sua genialidade, fiquei pasmo. Villa-Lobos parece uma profusão de música feito uma torrente em que corre várias melodias como rajadas. Absolutamente incrível a capacidade criativa de Villa-Lobos, de tal maneira me identifiquei com seu estilo, precisamente porque é o meu estilo musical que em particular venho a desenvolver nas minhas simples composições, colocando as melodais em profusão rítmica. E Olavo de Carvalho fez uma avaliação que é exatamente a mesma da minha enquanto escuto (há pouco ainda escutava e me admirava de sua força) que é esta impressão de upgrade na música clássica, de elevar a música a um outro nível que em certos aspectos até supera, ao meu ver, Bach e Beethoven, para não citar outros.
[25] Olavo de Carvalho, Palestra realizada no I Encontro da Juventude Conservadora da Universidade Federal do Maranhão, 5 de agosto de 2016, via videoconferência.
[26] Idem;
[27] Já citado: Olavo de Carvalho, O Futuro do Pensamento Brasileiro: estudos sobre o nosso lugar no mundo, Campinas, Vide Editorial, 4ªEdição, 2016
[28] Olavo de Carvalho, Diário do Comércio (editorial), 03 de abril de 2008;
[29] Idem;
[30] Ideia, aliás, que muito tem a ver com a forma como é apresentada a historiografia brasileira, que erroneamente atribui aos portugueses, assim, externamente, a uma “descoberta” do Brasil, de um país pronto, como se existisse, tal como o país que se nos apresenta como tal, existisse sem Portugal. A palavra “descoberta” em si mesma já é um erro ideológico, porque ela não foi usada nos escritos portugueses, se não no sentido de achar, encontrar, descortinar, não no sentido de “revelar” o que nunca existia antes, como se fosse um fato inteiramente novo a existência do continente para o outro lado do Oceano. Além disto, sem Portugal, o que seria o Brasil? Absolutamente nada. Porque Portugal construiu o Brasil ao longo de três séculos e meio, para só depois haver algo chamado Estado do Brasil. E mesmo aí, o território brasileiro evoluiu como um embrião humano evolui na barriga da mãe, de 1500 até o início do século XX, o que tira este mito de território pronto, de “gigante pela própria natureza”, porque se o Brasil foi e é grande, isto se deu pelos homens que o construíram, mas a historiografia “tradicional” brasileira trata de negar isto, ao chamar de Brasil algo que efetivamente levou ao menos cinco séculos para se ganhar noção estável do que é. O Brasil é, como outras nações, uma construção histórica, e o território é fruto da ação histórica deste povo, mas o primeiro fato é negado, e o segundo é afirmado, assim a identidade nacional brasileira é vazia de identidade histórica, mas apegada ao território donde se desenvolveu a história que se ignora. Que raciocínio notável, não?
[31] Olavo de Carvalho, O Futuro do Pensamento Brasileiro: estudos sobre o nosso lugar no mundo, Campinas, Vide Editorial, 4ªEdição, 2016, página 39 e 40;
[32] Olavo de Carvalho, O Futuro do Pensamento Brasileiro: estudos sobre o nosso lugar no mundo, Campinas, Vide Editorial, 4ªEdição, 2016, página 43;
[33] Desde 2020, antevendo a necessidade disto a nível mundial, eu particularmente enfrentei a grave tarefa de reunir os símbolos culturais que construíram o Brasil, para entender e explicar o Brasil como esta unidade cultural, espiritual e psicológica de que falava Olavo, e que, no entanto, não consegui no momento em que escrevo estas linhas qualquer apoio. Agora, em 2022, eu enfrento outra grave tarefa, talvez ainda maior, que é a de trazer à tona o avaliar de um país que completa duzentos anos de história independente. Discutir o que é e o que construímos e para onde rumamos. Não há até o momento qualquer debate no meio cultural e intelectual, nem sequer menção, nem por um grupo político-cultural, nem por outro, apenas por um restrito grupo de burocratas ligados ao Congresso Nacional mas cujo eco na sociedade é nulo, menos latente que a obra de um poeta de cidade do interior. Tudo o que há é a discussão de problemas imediatos que a cada semana possui a gravidade de uma bomba atômica, mas cujo problema grave maior é justamente este silêncio aterrador de um aniversariante que morre aos poucos.
[34] Que tenho a honra de dar minha singela colaboração por outros dois trabalhos que componho; o primeiro chamado Brasil, Essências e Símbolos, não publicado, e outro intitulado Bicentenário da Independência, a ser publicado de forma independente em 2023.
[35] Olavo de Carvalho, Os mais excluídos dos excluídos: o silêncio dos mortos como modelo dos vivos proibidos de falar, Conferência no Simpósio Internacional “Forms and Dynamics of Exclusion”, UNESCO, Paris, 22-26 de Junho de 1997, tradução de Carla Vidal, em O futuro do Pensamento Brasileiro, edição já referida, página 73-95;
Olavo de Carvalho, Mário Ferreira dos Santos: Guia para o estudo de sua obra, 1ª Edição, Campinas, SP, Vide Editorial, 2020, p.33.
Outras notas:
“Quando escrevi Brasil, Essências e Símbolos, uma coletânea de ensaios, os considerei como preliminares, na verdade uma coletânea de apreensões no sentido olaviano do termo, que pode ser encontrado em sua apostila d’O Problema das Ciências Sociais, e não tinha a intenção de esgotar o tema, apenas tomando como ponto de partida alguns temas que de tão pertinentes no senso de cultura brasileira, os considerei óbvios por começar a estudar e compreender o que é o Brasil como nação e o seu significado geral no quadro da história e meta-história. Não podia imaginar, no entanto, que chegaria mais longe do que simplesmente coletar apreensões, mas de abarcar realmente um sentido de uma unidade espiritual que só fui percebendo no fim e após. De qualquer forma ainda é necessário aprofundar os temas ali abordados, pelo que eu preferi não publicá-los até que tenham e eu tenha maturidade para tal.”
Leitura complementar:
Mário Ferreira dos Santos, Tratado de Simbólica, 5ª Edição, São Paulo, Logos, 1956
Otto Maria Carpeaux, História da Literatura Ocidental, Volume I, 3ª Edição, Brasília-DF, Edições do Senado Federal, 2008
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