Lições de escrita apr(e)endidas
Lições de escrita apr(e)endidas
Na ordem intelectual ou puramente artística é importante ir escrevendo à medida que se lê. Antonio Albalat
Interessante observação; não achava que fosse tão importante para a vida intelectual a anotação; que seria a reflexão sobre a leitura que fosse introduzindo no íntimo da memória a articulação daquelas ideias, mas agora vejo que não é bem assim, por mais boa memória que se tenha, é sempre necessário anotar as apreensões que se tem inicialmente, porque elas fundamentam as reflexões posteriores de maneira mais vivaz, nítida e não sombreada pela oscilação das muitas vozes que circundam o pensamento após a leitura diversa de muitos autores distintos. (Nota sobre A Arte de escrever em 20 lições)
Não basta seguir este conselho, o de anotar suas impressões e apreensões de leitura, tem que anotar suas observações da vida, porque a matéria da mente se perde nos recônditos inacessíveis da memória, até que por algum milagre alguma coisa surja como que por miragem, embaçada e ofuscada à inteligência.
Jean Guitton, falando de um antigo mestre de quando mais novo, o Professor Bézard, diz em O Trabalho Intelectual:
“A doutrina do parágrafo, quando bem compreendida, proporciona a maneira de escrever bem, de expor bem, assim como a de ler bem e obter proveito prolongado das nossas leituras, por meio das anotações duradouras. E o maior serviço que se pode aproveitar a um jovem é ensinar-lhe este método, como fazia Bézard durante a primeira e a segunda séries.”
O espírito é dispersivo, diz Guitton, e por isso exige total concentração da ideia, abandonado e retomando-a, desdobrando-a até que se dela extraia o licor. A nossa atenção, diz ele, se dissipa rapidamente, por isso a construção das nossas ideias, em pensamentos e palavras, anotadas ou memoradas, são gota a gota, quer dizer, vai se somando aos poucos, e o importante é encher uma garrafa.
Outro ponto fundamental do qual ele propõe: é preciso repetir. As mesmas ideias que você e eu tivemos, ou que os grandes do passado tiveram, devem-se repetir, mas de outras formas, com outras palavras, com novas nuances, com mais ou menos desdobramentos, a fim de que esclareça mais em si mesmo e para aquele que o lerá. Enquanto escrevo estas linhas, faço ou procuro realizar este mesmo exercício, para que pouco se perca de minha própria memória.
Há de se meditar bem cada ideia, antes de escrevê-la, durante a sua escrita, depois dela, esquecendo e retomando, como se fosse um estrangeiro lendo o seu próprio escrito, isto exige um exame dialético da consciência. O fruto disto é a depuração do pensamento. Somar o implícito e o explícito no texto é uma arte, e é também o dever da escrita.
...tornar a dizer a mesma coisa com outras palavras, essa será sempre a regra da arte de falar aos homens. Jean Guitton
Diz ainda Guitton, que a arte de escrever consiste em falar a mesma coisa três vezes: apresentando, desenvolvendo, concluindo.
Mas Albalat volta e nos diz:
Repetimo-lo: ler, sem empregar este método (de ir escrevendo conforme vai lendo), é como não haver lido. É ler como faz toda a gente, sem aspirar a ser alguém.
Devemos aspirar a algo, querer ser algo, obter algo ao lermos e ao escrevermos. A inspiração pode ajudar muito; mas mais ainda ajuda o tomar posse do que apreende conforme se lê, isto é, aspirar e transpirar o estro.
A regra que deve dominar a preparação literária é ver tudo, tomar conta de tudo e avaliar tudo diretamente.
Confesso que ao querer escrever qualquer coisa, antes penso no que quero escrever e depois eu procurarei o que devo ler para falar daquele assunto, isto é, quando se trata de um artigo ou ensaio, é raro, que, eu vá ler muita coisa para depois formar uma ideia do que quero escrever, isto, porque, para eu escrever algo por causa da leitura de algo, dever-me-ia despertar a inteligência para muitas coisas e apreensões, e são raros os livros que nos fazem esta proeza de despertar a nossa inteligência de tal modo que queiramos ou sintamos impelidos no íntimo a expor aquilo.
Forma-se dentro de nós uma constelação de imagens com aquela leitura fabulosa que ela é mais uma evocadora do que propriamente instrutora, é como se ela tivesse ali para que despertássemos numa amálgama de conhecimentos já embutidos n’alma, mas estavam sem voz.
Vejo este processo criativo concomitante com a leitura um faça-se da palavra do grande escritor na nossa inteligência. No fim de tudo é isto, diz Jean Guitton, o que o escritor quer, afinal, é encontrar uma alma onde possa repousar a pena, a ideia, a cabeça.
Comentários
Postar um comentário