O que é uma Nação? - Parte 1: Contra o Utilitarismo
Pensando em qual seria o título para o próximo artigo e com qual assunto este lidaria, fui à janela de minha casa e presenciei uma ideia; vi uma família de periquitos a voarem em plena selva de concreto paulistana e disforme. Queria acrescentar um comentário à esta deformidade que é a cidade de São Paulo; não é que eu não ame esta cidade, a amo e por isso mesmo a critico ferozmente. São Paulo é o símbolo da pujança nacional brasileira e se esta pujança anda mal das pernas, é sinal de que algo anda mal na nação. Penso na harmonia com que os pássaros voam pela cidade apesar de sua feiura disforme. Nação é isto, voar apesar das encunhas e inconhas disformes.
O problema paulistano surgiu quando a cidade adotou o maldito e mal dito modelo arquitetônico modernista. O modelo modernista de arquitetura consiste em não ter modelo algum, é uma antiarquitetura. A arquitetura modernista desvalorizou as formas das construções para o utilitarismo pós-moderno, um prédio não deve ser bonito, deve ser apenas funcional, esta é a ideia. Um mercado não precisa ser bonito, precisa ser funcional, e isto quer dizer conter a maior quantidade de produtos e abarrotar em letreiros e ofertas para ter volume de vendas. Os postes não precisam ser bonitos, precisam apenas transmitir luz e energia. Ora, tudo isto é verdade, mas sem agregar beleza às coisas o que acontecerá é um empobrecimento intelectual e espiritual, causará na mente a sensação de pressa, ansiedade, de futuro, de cobiça e vã esperança pelo dia do amanhã melhor. Ora, esta esperança de dias melhores subentende também a esperança de lugares melhores e mais aconchegantes. Todos que se achegam à São Paulo têm a tenra sensação de que um dia irão embora, e quanto mais empobrecem o seu imaginário e as possibilidades da vida humana, quanto mais pensam em dinheiro e acúmulo de bens, mais eles desviam esta vã esperança para um tempo cada vez mais restrito, de tal forma que o imaginário futuro do habitante 'apaulistanado' logo após alguns anos se restringirá ao acúmulo de dinheiro e bens no curso do seu ano presente. Isto significa que aquele futuro aconchegante simplesmente é cada vez mais esquecido e o presente eterno e acelerado cada vez mais rasteiro. Quanto menos consciência futura, menos consciência do que se faz no presente. Assim o homem que veio buscar fortuna em São Paulo vindo de algum recanto deste imenso país, cada vez mais esquece de ir embora, ainda que já tenha ficado rico, já tenha uma BMW ou Mercedes-Benz na garagem, já tenha 5 ou 7 casas construídas para aluguel, tenha uma empresa com 10 ou 12 funcionários. Não estou falando contra estas pessoas, apenas mostrando que aquele futuro de beleza foi substituído pelo futuro de riqueza e conforto material. É legítimo querer conforto e dinheiro, mas no momento em que a beleza cede lugar ao utilitarismo, a inteligência cede no instante seguinte, reduz-se ao ponto de regredir cada vez mais. É bom lembrarmos que o índio da aldeia é o mais utilitarista dos homens, ele nem sequer acha útil construir uma cidade, é melhor construir uma aldeia que na temporada seguinte se muda para outra com melhor localidade. Melhor não plantar roças grandes, colher o fruto no mato e migrar quando acabar é mais útil, para quê se cansar cultivando a terra? Para quê camas, roupas, metais, ouro e diamante? Todas estas coisas são inúteis, no final de contas o que importa é, como me disse um amigo chinês quando eu perguntei sobre sua rotina, comer, beber, dormir e transar. O utilitarismo é o que há de comum entre o índio que não constrói civilização, o bárbaro que não busca nada além das necessidades básicas, o jovem que só quer prazer fisiológico ou conforto psíquico imediato e o civilizadíssimo apaulistanado que só pensa em acumular dinheiro no seu ano corrente continuamente até a velhice ou morte de estresse. É também o que há de comum com a arquitetura modernista que só pensa no hoje esquecendo que amanhã ele será velho, estressado e feio.
O que é a beleza senão produzir vida em abundância? Ora, construir uma casa que amanhã já estará velha é o mesmo que construir uma oca que amanhã será desmanchada para sempre e não restará mais do que palha e gravetos. Todos ficam admirados com as cidades antigas e medievais, transformam-nas em pontos turísticos e fotografáveis, mas por que tais lugares são bonitos? São bonitos porque as pessoas que construíram tais cidades não pensaram que sairiam dela no ano seguinte, e sim que viveriam lá por toda a sua vida, elas e seus descendentes. O resultado deste pensamento é que a cidade ganha beleza contemplativa, perdura para além das gerações presentes que as construíram. No Brasil temos poucas cidades antigas de tais belezas que ainda restam, pois boa parte delas foram destruídas para dar lugar à arquitetura improvisada e utilitarista que se tornará obsoleta não na geração seguinte, mas em menos de uma década. Lembro-me de comércios fabulosamente adornados da mais pura modernidade e tecnologia desde que vim para São Paulo, após cinco anos não foram poucas as alterações e reformas de construções já ditas modernas em toda a via, ora, se passaram meia década e toda a rua já foi modificada com que o que há de mais novo, daqui a menos de cinco novamente estarão obsoletas e precisarão de novas reformas. A via que eu conheci quando cheguei já não existe mais hoje, e a que há hoje não existirá mais amanhã.
São Paulo é o exemplo notável de cidade que se autodestrói na velocidade de uma raposa. Embora possua quase 5 séculos de história, se der uma boa caminhada pela cidade, você não encontrará nada que comprove tal vetustez, tudo o que encontrará são prédios cinzas horrorosos que não chegam aos pés de pelo menos uma Dubai ou Hong Kong que possuem arranha-céus lindíssimos. Não é por falta de riqueza, pois São Paulo é o motor econômico deste país, é mais rico ou tão rico quanto estas cidades já há muitas décadas, e no passado era mais rico ainda, quando o Brasil passou por várias "décadas milagrosas". Esta feiura não está limitada aos prédios comerciais ou residenciais, também está, e principalmente está, nos prédios que deveriam ser símbolos da civilidade: Igrejas, Universidades, Escolas, Praças, Estações de Trem e Metrô (um dia entrei numa estação de metrô próximo da Avenida Paulista que pensei ser um boteco ou algum restaurante de esquina, fiquei particularmente pasmo). Mas particularmente as igrejas (católicas, porque as igrejas protestantes nem sequer podem ser exigidas alguma beleza), locais de pura beleza contemplativa, não há praticamente nenhuma bela, perdurável, transcendente, civilizacional, espiritual, de vida abundante. As paróquias que frequento, as frequento particularmente por preceito dominical e por amor a Deus que não deve depender deste tipo de beleza, mas é particularmente angustiante ficar mais de dois minutos numa igreja dessas após o padre dar a benção final. E na verdade ninguém ali quer ficar mais tempo, querem voltar para o conforto de seus lares o mais rápido que puder. Uma igreja que não possua beleza contemplativa, que não perdure pelas décadas e gerações a sua beleza, não gera uma comunidade pujante, rica, harmônica e virtuosa, porque as pessoas não se interessam em criar laços umas com as outras, elas nem sequer pensam nisso, elas não conseguem pensar nisso. Por isso é tão importante refletir sobre a forma como estamos construindo as nossas cidades, nossa civilização, porque este imediatismo não gerará outra coisa do que ruptura e caos.
Esta crítica aparentemente impiedosa que faço à São Paulo é também dirigida ao Brasil e ao mundo todo, pois todo o globo padece desta simplificação, barbarização dos costumes, da vida e das relações humanas. Hoje todos gostam de falar em sustentabilidade, sustentabilidade é em suma o mundo ser suportável para o homem, e não o homem para o mundo, isto quer dizer que o homem deve produzir no mundo a vida em abundância, isto é gerar beleza, a inversão disto não é sustentabilidade, é utilitarismo.
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