Questões comuns na escrita do conto: Dificuldades para escrever contos

 

Questões comuns na escrita do conto:

Dificuldades para escrever contos

Existem muitos motivos pelos quais a escrita de contos se torna desafiadora e um tanto displicente, a começar pelo seu breve tamanho: um conto deve ser breve, e ainda assim conter em si o início, meio e fim de uma narrativa. Não necessariamente deve atender a clichês como o arco do herói ou a descrição minuciosa da psique da personagem, ou um desenvolvimento linear. Mas o conto deve conter em si a sua matéria-prima que é o foco narrativo. Por ser breve, o conto precisa ter um foco narrativo, dificilmente uma narrativa rica em pontos de vista será útil aqui, porque terá de concorrer às poucas linhas disponíveis e, pecar contra isto, faria o texto ser pobre ou prosaico, isto na melhor das hipóteses, porque facilmente, sem o domínio do gênero, o texto sairá mesmo caótico e infantil.

Mas o proêmio sobre o conto não é este, de fato, o que há de mais tradicional e vigoroso na literatura brasileira, tirada a poesia, é o conto, e não raro, nossos melhores escritores foram ambos, bardos e contistas. Por esta razão, enseja mais do que outro gênero, a riqueza aquém e de além-mar, de conquista ou reconquista, a tradição do conto brasileiro. É por ela, então, que seguiremos a compreensão de sua elaboração.

O conto deve começar por um foco narrativo, este foco é o olhar que o narrador, se existe, dará já de preâmbulo, este foco pode ser o próprio mistério da narrativa, o que grandes escritores como Machado de Assis faziam com os pés amarrados às costas, sem ver e quase sem querer. Noutros contos, o foco narrativo pode-se dar apenas no termo, mas o importante é que subsista na mente do narrador. A aquisição deste foco narrativo é uma arma estilística nas mãos do contista, e leva muito tempo, ao menos para a maioria, adquirir um ou vários em seu repertório.

Uma coisa que o contista pode e deve se ater é a qualidade deste foco narrativo, por exemplo, se o foco é narrar um contexto social, um pensamento da personagem, ou outro problema qualquer, então adotar o vocabulário e as construções linguísticas que melhor favoreçam este tipo de foco. Uma vez encontrado este foco narrativo, não adotar ferramentas típicas de outros, a menos que tenha domínio de outros e misture propositadamente elementos de aparente contradição. Seria cômico se num conto psicológico houvesse uma pobreza de vocabulário expressivo das situações interiores da alma, por outro lado, este tipo de narrativa pode levar a excessivas abstrações, o que exigiria do narrador a arte de contar por analogias o que se passa no íntimo de sua personagem. Aqui está o segredo dos grandes, que eu não julgo possuir. Uma observação a contos psicológicos, por exemplo, seria um uso equilibrado mas abundante de hipérbatos, e pleonasmos não viciosos que vicejam o imaginário, e usando as analogias como ferramentas linguísticas, poder-se-á dar um efeito de impacto expressivo. Mas a ferramenta quanto mais afiada, cortante é. O segredo não é outro se não mesmo ler escritores que souberam escrever não só contos, como o psicológico ou de narrativa linear, como também bem usaram destas ferramentas linguísticas que estão aí para isto mesmo, para serem usadas e abusadas.

Dificuldade para descrever:

A descrição pode ser muito variada, mas ela muito diz respeito sobre a intenção do autor, é daí que nasce o estilo do autor contista. Descrever o quê? A protagonista, o local em que as coisas acontecem, a sua personalidade e idiossincrasias, o ambiente social ou natural, o sentimento, o que faz e porque faz. Cada autor tem habilidade para descrever cada um desses e de outros pontos, mas nada, nada, nada pode ser gratuito e fortuito. Se a narrativa é pequena, por outro lado, deve ganhar em densidade a cada palavra e frase, e isto faz com que o conto possa ser mais difícil do que grandes narrativas que possuem a vantagem da paciência do leitor e a larga margem para o desenvolvimento, podendo digredir sob outros olhares de que tenha maior estro. É por isto que o conto genial é uma obra-prima em si, mas contos que são uma pilha de textos insignificantes e infantis sobreabundam em todas as épocas.

Então por que escrever contos? Justamente para tirar a obra-prima de um ponto de vista, que traga a visão do autor e traduza toda uma realidade que vai muito além da breve narrativa, e que nela esteja contida em síntese, o que numa grande narrativa não poderia ser feito ou custaria obter, porque poderia fugir ao tema principal, enfadar a obra. A vantagem é que se pode largar tal ponto de vista e partir para outro em outro conto, e outro, e outro; é um excelente exercício, que Machado de Assis que o diga!

Dificuldade de observação:

A observação, porém, é um ponto essencial na elaboração da curta narrativa. Escolher um ponto de vista, um olhar, já é a forma como se observa, e este já vem com as palavras e ideias, é o estilo do contista em ação. O autor principiante (como eu) peca por não saber direito o quê e como observar. Terá de aprender isto e terá de aprender a observar como os demais autores observavam. A aparência por vezes simples do conto é enganadora, se se é iniciante, não pense jamais que com três mondas se sai um conto. Cada um tem a sua contagem e a maneira de findar o que monda, ou melhor, sente em si findá-lo.

Dificuldade de dar palavras apropriadas

O forte do conto é a sua densidade narrativa, cada palavra deve ser cuidadosa, deve ser empregada para dar o efeito e interpretação desejada, ainda que esta interpretação seja ambígua, mas neste caso a própria ambiguidade é intencional. O conto não pode ser abstrato demais, tem que ser imaginado, lido de dentro. Se bem que os melhores contistas sabem unir ambos.

Dificuldade gramatical e semântica;

Na hora de construir as frases, não se trata de apenas absorver a gramática, o que é essencial, mas usar da gramática como ferramenta do estilo. A forma como construirá as frases, os períodos e os parágrafos ou termos diz muito respeito ao estilo, à forma, às interpretações do texto. Um livro recomendadíssimo para este fim é Estilística da Língua Portuguesa, de Manuel Rodrigues Lapa, que aponta sob diversos exemplos como escrever em bom português, e perceber nuances de palavrinhas funcionais e óbvias, mas que exigem terníssima atenção, já que o perigo moderno é absorver grotescamente formas estrangeiras, anglicistas (no passado não semoto foram galicistas), completamente alheias à língua, e colocá-las, a menos que se tenha domínio do estilo e gramática empregada, traz quebra visual da língua e pode ser fatal à qualidade do conto. Facilmente uma ficção se perde para a leviandade por causa deste simples quesito que deveria ser óbvio, mas que exige lobrigamento contínuo.

Dificuldade no início

A parte mais difícil de um conto, portanto, é o início, porque é nele que o autor desejará continuar ou rejeitará logo de cara a ideia que ganha forma. É no início que se dá o caráter empregado na narrativa. A menos que o autor já seja cordialmente aclamado, dificilmente o leitor continuará a lê-lo se não se sentir motivado a continuar já, ainda que num preâmbulo confuso e reticente.

Dificuldade na finalização

Mesmo o final sendo a parte mais fácil, é nele que se dará a visão de conjunto donde o autor quis levar o leitor. Por isto é crucial que o autor saiba o que quer no conto desde o começo, e se não tiver bem claro, então mondar, mondar sempre, isto é, ler e reler até se esgotar, descansar e retornar depois, dando densidade e unidade. Em muitos casos, isto se dá com uma simples palavra, expressão ou frase que arremata. Sabendo dominar isto, o conto se torna fácil e até preferível que às grandes narrativas, e isto explica o gosto que grandes escritores tiveram deste gênero.

Dificuldade em manter coerência da narrativa

A dificuldade da coerência é sanada no mais das vezes com leitura atenta e observação interiorizada do foco narrativo. O foco narrativo deve se juntar ao conto e ser indissolúvel, se isto não ocorre, então surge a incoerência e a divagação. O que não quer dizer que não possa ter divagações, velhos escritores são viciados nelas, mas elas estão coerentemente dentro do foco, jamais se separaram dele, são parte integral, e a sua própria impressão de divagação é um efeito desejado em minúcias.

Dificuldade em dar sutilezas e dinamicidade

As sutilezas da escrita é a diferença entre o escritor e um contador de estórias, pois aquele usa a linguagem empregada como arte, e cada palavra emprega diligentemente, já este apenas formula um vocabulário comum e mal-empregado, visando apenas os fatos ou uma dramaticidade cômica e simplista. O primeiro é um artista da forma, o segundo somos todos nós que usamos a língua para falar qualquer banalidade.

A dinamicidade de um texto é ele ser vivo e fonte intelectiva, não fechado em si, restrito ao mundo ali descrito, mas quase como um microcosmo que serve de ponto de partida e meditação. Um texto dinâmico é um texto vivo.

Dominando os meandros da arte do conto, torna-se inesgotável arte de fazer qualquer conto, porque infindáveis são os assuntos que podem ser abordados, e formas pelos quais compostos.

A sentença de ouro a resumir tudo o que até aqui falamos não é outra que não esta:

Mais fácil falar do que fazer.”

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Natal: Tempo de Esperança

Escritores e Pretensos escritores

Monda ó tu homem